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Gravidez e Amamentação em Regime Paleo

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Posso fazer este tipo de alimentação se estiver grávida ou a amamentar?

Esta é uma pergunta que me é colocada recorrentemente. Normalmente, questiono de volta: «Em que situação pode ser má ideia retirar alimentos processados da nossa alimentação e alimentarmo-nos de forma mais natural e sazonal, respondendo aos sinais do corpo e respeitando-nos? Como é que isso pode ser restritivo? O que é que pode correr mal quando trocamos um “papo-seco” e um galão, por ovos, abacate e cenouras para o pequeno-almoço?»

Grávidas e lactantes, mais do que noutra fase da vida, devem ser extremamente cuidadosas com a alimentação, pois estão a gerar nova vida, são uma autentica fábrica de um novo ser. Isto significa que devem ingerir alimentos qualitativos, ricos em macro e micronutrientes.

Em muitas gestantes a fome pode estar naturalmente aumentada, sobretudo, se antes da gravidez não seguiam bons hábitos alimentares, com desequilíbrio prévio do metabolismo.

É justamente uma má orientação alimentar que leva algumas grávidas ao excesso de peso na gravidez, a desenvolverem resistência à insulina, diabetes gestacionais e muitas outras complicações.

Um regime cujo foco é em comida de verdade, não só é seguro, como é recomendável. Estes são alimentos que desde sempre fizeram parte da alimentação do ser humano, como carne, peixe, ovos, tubérculos, vegetais, fruta, oleaginosas e sementes, pondo de parte todos os alimentos resultantes da civilização moderna (açúcar, e todos os alimentos em que este é adicionado, farinhas refinadas, álcool e alimentos processados) e alimentos potencialmente inflamatórios e menos densos em nutrientes, como os cereais e as leguminosas. De referir que ao retirar estes alimentos da sua rotina, não estará a comprometer a sua alimentação em nenhum nutriente. Antes pelo contrário, estará a beneficiar da absorção máxima de todos os nutrientes (proteínas, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas e minerais), bem como obterá a estabilização dos níveis de insulina e de saciedade.

Se está grávida…

Durante a gravidez existem necessidades nutricionais específicas, pelo que terá de fazer alguns ajustes de forma a providenciar todos os nutrientes, vitaminas e minerais, nas porções certas, ao seu corpo.

Dependente da quantidade de proteína que ingeria antes da gravidez, poderá ter de ajustar o seu consumo. Para as entusiastas de refeições muito ricas em proteína, este é um aspecto a ter em atenção. Uma dieta muito rica em proteína pode não ser o mais saudável para o seu bebé, uma vez que devido às alterações metabólicas que ocorrem durante a gravidez, o fígado é menos hábil a converter a amónia (um composto tóxico resultante da decomposição dos aminoácidos que constituem as proteínas) em ureia, uma substância menos tóxica, que é removida pelos rins e excretada na urina.

No entanto não há consenso nas guidelines internacionais acerca dos macronutrientes ingeridos durante a gestação. Na Europa, no que toca ao consumo de proteínas, há recomendação para não se ultrapassar os 35% do total de calorias diário, no entanto para a maior parte das mulheres, com a alimentação dita «convencional», isto significa manter o seu consumo actual e mesmo muitas vezes aumentá-lo. Pois com a alimentação «convencional» a quantidade de proteína está muito aquém dos 35%.

As proteínas «constroem», pelo que representam um dos macronutrientes mais importantes durante a gestação. São responsáveis pela formação de órgãos, tecidos, sangue, ossos, células nervosas e outras estruturas; síntese de enzimas, hormonas e anticorpos; formação da placenta, aumento das mamas, dos tecidos uterinos, do volume sanguíneo.

Do ponto de vista nutricional, a gestação pode ser dividida em duas grandes fases: a 1.ª metade da gravidez é a fase materna de preparação do corpo para receber e manter o embrião e a 2.ª metade é a fase fetal, em que as reservas nutricionais maternas são utilizadas para o desenvolvimento do feto.

Apesar de não ter de comer por dois, de todo, é fundamental que coma o necessário. Tenha em mente que a gravidez não é altura para limitar o ganho de peso, mas também não é altura para comer tudo o que lhe apetece. É tão mau engordar em demasia como não ganhar peso suficiente. Se for fiel aos alimentos naturais, densos em nutrientes e saciáveis, poderá confiar nos sinais do seu corpo e comer sempre que tenha fome, assim como parar mal esteja satisfeita.

Se houver necessidade de reduzir o consumo de proteína, deverá compensar com maior ingestão de gorduras saudáveis, mantendo o consumo dos HC saudáveis. A ingestão adequada de gorduras (ácidos gordos), especialmente ómega-3 e em particular o ácido docosahexaenoico (DHA), traz inúmeros benefícios para mãe e bebé. O seu consumo regular pode prevenir a incidência de parto prematuro, reduzir o risco de pré-eclampsia e favorecer o perfeito desenvolvimento do sistema nervoso do bebé, desta forma muitos obstetras preferem suplementar.

Ainda que no primeiro trimestre não haja necessidade de comer mais quantidade do que antes de engravidar, no segundo e terceiro trimestre necessitará de cerca de 300 kcal extra (dependente do seu peso, da sua composição corporal e actividade física) (o que equivale a 1 iogurte grego inteiro natural + 1 peça de fruta + alguns frutos secos). É natural que tenha mais vontade de comer alimentos ricos em gordura e hidratos de carbono, pelo que, certifique-se de que tem o melhor em casa para satisfazer a sua vontade. Coma mais vegetais densos de assimilação lenta, como batata-doce, mandioca, abóbora, vegetais folhosos e crucíferos – brócolos, couve-flor, frutas frescas variadas, frutas secas, coma mais oleaginosas e gorduras boas (abacate, azeite extra virgem, óleo de coco, manteiga, etc.) e vegetais densos. O abacate é um excelente alimento; graças ao seu conteúdo de gorduras monoinsaturadas, fibra, folatos e potássio é um must eat para as grávidas!

No terceiro trimestre, à medida que a barriga cresce, haverá menos espaço no seu estômago para grandes refeições, pelo que naturalmente comerá menos nas refeições principais e necessitará de alguns snacks para os intervalos. Mas evite estar sempre a comer, se possível permita um intervalo, no mínimo, de 3 horas entre uma refeição e um snack, para que as suas hormonas possam fazer o seu trabalho.

Na gravidez as necessidades de cálcio são consideravelmente elevadas. E caso não se verifique intolerância aos laticínios, recomenda-se o consumo moderado de laticínios fermentados como iogurte natural, especialmente o iogurte grego, e laticínios ricos em gordura, como a manteiga e queijos curados.

Saiba, no entanto, que os lacticínios não são a única fonte de cálcio. O cálcio pode ser encontrado (de forma biodisponível e em quantidades significativas) numa variedade de alimentos que não apenas os lacticínios. E saiba também que a ingestão de uma boa dose de cálcio isolado não implica necessariamente a sua absorção, retenção e incorporação nos dentes e ossos. O cálcio proveniente das fontes vegetais vem normalmente acompanhado de vitaminas (como a vitamina K) e outros minerais, que sinergicamente promovem a sua absorção.

Coma bastantes vegetais como couve-galega, couve-kale (couve crespa), agrião, rúcula, rama de nabo; e sardinhas, salmão e caldos de carne, como canja de galinha (com vegetais em vez de massa) ou outros. Uma referência especial aos caldos de carne/ossos, pois são uma excelente fonte de cálcio, magnésio, fósforo, colagénio e vários aminoácidos (que não estão presentes no músculo da carne). Encare estes caldos quase como um suplemento, pois dada a sua riqueza, se tomados numa base diária, asseguram o saudável crescimento do bebé sem comprometer a reserva mineral da mãe.

Como já foi dito anteriormente, a vitamina D assume um papel fundamental no metabolismo do cálcio, promovendo a sua absorção (veja aqui). As grávidas necessitam de ter níveis óptimos de vitamina D, pois, para além da sua importância na absorção do cálcio, a carência desta vitamina está associada a uma série de complicações durante a gravidez. Não será má ideia requerer um doseamento de vitamina D no sangue e, se necessário, recorrer à suplementação.

Os ovos são dos alimentos mais ricos que existem, como já expliquei, uma vez que contêm um pouco de todos os nutrientes. Constituem uma óptima forma de aumentar a ingestão total de nutrientes e são muito benéficos para as grávidas uma vez que contêm colina, um nutriente pertencente ao complexo B de vitaminas que é essencial na gravidez para o saudável desenvolvimento do bebé. Escolha preferencialmente ovos biológicos ou criados ao ar livre (ou tipo 0).

Comer uma grande variedade de produtos de origem animal, como carne e peixe de alta qualidade, além de lhe dar proteína, vai dar-lhe também abundância de outros nutrientes muito importantes. Carne de vaca e porco são ricas em ferro, colina e outras vitaminas do complexo B que são necessárias em abundância na gravidez. Os órgãos de carnes também apresentam muitos benefícios para as grávidas, em especial o fígado, que é rico em vitamina A, D e E, ferro e colina. Uma pequena chamada de atenção relativamente à vitamina A: esta vitamina é importante para o desenvolvimento fetal saudável, mas em excesso causa toxicidade, pelo que, comer fígado é benéfico mas é necessário contenção. Escolha preferencialmente fígado de animais que pastam.

O ferro é um mineral essencial, pois é importante no transporte do oxigénio a todas as células do corpo, e as grávidas necessitam de mais ferro, uma vez que o volume de sangue aumenta à medida que a gravidez evolui. Isto é uma preocupação, pois a anemia (por falta de ferro) afecta 50,8% das grávidas (segundo o maior estudo português sobre as anemias – Estudo EMPIRE, de 2016) e a gravidez gera sempre um balanço negativo de ferro.

Isto implica, quase sempre, suplementação farmacológica com ferro, sobretudo a partir do 2.º trimestre, por isso é fundamental manter o consumo adequado de fontes de ferro animais (com maior absorção), comer alimentos ricos em vitamina C (kiwi, laranja, etc.) para auxiliar a absorção do ferro e evitar comer na mesma refeição alimentos com fitatos e oxalatos, que impedem a sua absorção.

 Os peixes gordos de águas frias como o salmão, arenque, cavala ou sardinhas são ricos em ómega-3, bem como as sementes de linhaça e chia. Os ácidos gordos ómega-3, em particular DHA e EPA, têm uma ação anti-inflamatória e são especialmente benéficos na gravidez, como já foi explicado anteriormente.

 Os vegetais constituem o maior componente deste regime e são uma excelente fonte de fibra, vitaminas, minerais e outros micronutrientes. Os brócolos e os vegetais de folha verde, como a couve-galega ou os grelos, são especialmente benéficos para as grávidas, uma vez que contêm vitamina C, vitamina K, vitamina A, cálcio, ferro, folato e potássio.

A vitamina B9, também conhecida por folato ou ácido fólico, é especialmente importante para as grávidas, uma vez que é fundamental para o desenvolvimento fetal adequado. O ácido fólico, no entanto, é a vitamina B9 sintetizada. A forma natural de vitamina B9, ou folato, pode ser encontrada nos espinafres, espargos, abacate, brócolos, manga, papaia, fígado, agrião, couve-lombarda, gema de ovo, entre outros.

E não se esqueça dos prebióticos e probióticos. Hoje sabe-se que existe uma aumento fisiológico da permeabilidade intestinal durante a gravidez, ligado ao aumento de peso materno. Este aspecto deve ser considerado e atenuado. O aumento da permeabilidade intestinal correlaciona-se com a inflamação crónica, e desta podem derivar várias complicações pós-parto: desenvolvimento de doenças auto-imunes (para quem tem esta predisposição genética); depressão pós parto (ligação entre o intestino e nervo-vago); diabetes tipo II, entre muitas outras. Relativamente aos prebióticos, uma alimentação com base saudável, já contempla muitas fibras vegetais importantes. Quanto aos probióticos, deve aconselhar-se com o seu médico, relativamente a uma suplementação e estes serão também importantes durante a fase de amamentação (ajudando nas cólicas do bebé, que receberá os fragmentos benéficos através do leite materno).

Este tipo de alimentação fornece todos os nutrientes para que tenha uma gravidez saudável, enquanto optimiza a assimilação dos nutrientes e promove a estabilização dos níveis de insulina e de saciedade.

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Se está a amamentar…

A melhor coisa que pode fazer pelo seu bebé e por si é seguir uma alimentação mais natural. As semanas seguintes ao nascimento do bebé podem representar uma das fases mais extenuantes da sua vida. Esta alimentação fortalece o sistema imunitário, promove um sono reparador (nas poucas horas que dorme) e dá-lhe a energia de que necessita para enfrentar o dia, o que significará menos stresse e uma boa produção de leite. Por outro lado ainda, uma vez que não come alimentos potencialmente inflamatórios, o seu bebé, que se alimenta do seu leite, também não terá contacto com estes alimentos, com todos os benefícios que daí advêm. Mães que seguem este tipo de alimentação aquando da amamentação relatam que os seus bebés são calmos, mamam bem, apresentam menos desconfortos intestinais e têm um sono mais tranquilo.

Uma nutrição equilibrada é dos factores fundamentais para uma boa produção de leite. Assim que o bebé nasce, a questão da restrição da proteína (que foi frisado anteriormente no caso da gravidez) já não se coloca. Efectivamente, um bebé em crescimento necessita da proteína que assimila através do leite da mãe, por isso não passe sem carne, peixe e ovos. Estudos recentes mostram-nos que o consumo de uma dieta rica em gorduras boas tem influência não só na qualidade (importante para o desenvolvimento do cérebro e sistema nervoso do bebé) mas na quantidade de leite produzido, assim como ajuda na regulação hormonal da mãe (ver artigo). No que toca aos hidratos de carbono, assegure-se de que inclui suficientes vegetais densos de assimilação lenta como a batata-doce, abóbora, mandioca e uma variedade de frutas para fazer face à energia extra de que necessita por estar a amamentar. E vegetais? Muitos, sempre, e varie o mais possível. Não se esqueça da vitamina D, omega 3 e probióticos, devem estar sempre presentes durante a fase de recuperação do parto e amamentação 😉

Fazer apenas 3 refeições pode revelar-se impossível, pelo menos no início, por isso poderá intervalá-las com pequenos snacks ou, em alternativa, pode planear comer 4, 5 ou 6 pequenas refeições, conforme lhe for mais conveniente.

 

Fotos: R2Arte (Rita Silva)

 

Fontes:

http://thepaleodiet.com/paleo-diet- podcast-pregnancy- proteinand-paleo- diet/

https://www.healthaliciousness.com/articles

https://authoritynutrition.com/13-foods- to-eat- when-pregnant/

https://academic.oup.com/ajcn/article/89/6/1821/4596837

 

Probióticos na gravidez e pós-parto:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28943228

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28720399

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29345158